mulher com dor devido a Fibromialgia

Fibromialgia – Definição, Sintomas e Tratamentos

Introdução

A síndrome da fibromialgia (SFM) é uma condição crônica caracterizada por dor corporal generalizada, fadiga, distúrbios do sono, cognição prejudicada e ansiedade com etiologia desconhecida

Prevalência de 2 a 8% mundial (no Brasil cerca de 2,5%), podendo acometer qualquer idade (pico 50 a 60 anos), com uma proporção de 3 mulheres para 1 homem.

Pode iniciar com dor locorregional e após generalizar.

Parentes de primeiro grau com SFM tem até 8x mais chance de terem a doença quando comparados a população em geral.

Termos importantes

  • Alodínea: resposta dolorosa a estímulos normalmente inócuos (indolores).
  • Hiperalgesia: dor de intensidade anormal
  • Hiperpatia: resposta prolongada e exagerada ao estímulo doloroso, geralmente de início explosivo e podendo persistir após interrupção do estímulo.
  • Hiperestesia: sensibilidade aumentada ao estímulo
  • Disestesia: sensação alterada, podendo ser evocada ou espontânea (mais desconforto que dor).

Tipos de dor

  • Dor nociceptiva: devido a inflamação ou dano tecidual (resposta a analgesia/ AINE). Exemplo artrite reumatoide, osteoartrite, neoplasia.
  • Dor neuropática: dano ou compressão nervosa. Pode ser periférica ou central. Exemplo neuropatia diabética, dor pós-herpética.
  • Dor nociplástica: caracterizada por um distúrbio central no processamento da dor. Responsivo a drogas que atuam no SNC, alterando neurotransmissores envolvidos na dor, sono e humor. Exemplo fibromialgia.

Fisiopatologia e etiologia da fibromialgia

A fisiopatologia da doença não é claramente compreendida, embora anormalidades no processamento da dor em vários níveis (periférico e central), comprometimento do sono, desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e anormalidades do sistema nervoso autônomo tenham sido identificados como fatores contribuintes.

O processamento da dor difusa no cérebro é alterado na fibromialgia, conforme indicado pelo aumento da ativação em áreas do cérebro dedicadas à dor.

Ativação funcional e a conectividade dos sinais inibitórios endógenos da dor estão alteradas em pacientes com SFM.

Além disso, pacientes com fibromialgia têm menos massa cinzenta nas áreas corticais e subcorticais envolvidas no processamento de estímulos nociceptivos, particularmente ao nível do córtex cingulado, órbita frontal e ínsula.

Níveis elevados de substância P (neurotransmissor que medeia a facilitação da dor, especialmente a soma temporal) foram detectados no líquido cefalorraquidiano de pacientes com fibromialgia em comparação com indivíduos saudáveis.

Pacientes com fibromialgia também apresentam menor disponibilidade de receptores μ-opióides em regiões do cérebro envolvidas na modulação da dor (incluindo o núcleo accumbens, amígdala e cíngulo dorsal) e níveis mais elevados de opióides no líquido cefalorraquidiano do que indivíduos saudáveis.

Os níveis de neurotransmissores noradrenérgicos e serotoninérgicos no fluido biológico de pacientes com fibromialgia são menores do que em indivíduos saudáveis, e a atividade dopaminérgica cerebral durante a estimulação dolorosa é atenuada. Finalmente, a hipersensibilidade pode ser espelhada por um excesso de neurotransmissores excitatórios em áreas cerebrais importantes para a modulação da dor

Mecanismo periférico também são descrito, como estímulos dolorosos vindos da periferia podem iniciar ou reforçar o processo nociplásico.

É provável que variantes da informação genética das pessoas aumentem o risco de desenvolver a doença

Sintomas

Acomete principalmente o sistema musculoesquelético, porém sem achados clínicos visíveis, revelando uma maior sensibilidade a pressão corporal.

  • Dor generalizada (da cabeça aos pés): Podendo ter rigidez matinal fugaz. Relato de parestesia nos membros. Piora com estresse físico ou mental.
  • Fadiga: física e mental.
  • Sono: insônia, sono não reparador, despertares frequentes.
  • Cognitivo: dificuldade de concentração, déficts de memória.
  • Hipersensibilidade a estímulos ambientais (luz, temperatura e som).
  • Psiquiatricos: ansiedade (podendo chegar a 60% a associação), depressão. Risco aumentado de suicídio.
  • Autonômicos: xerostomia, xeroftalmia, resposta variada ao frio, hipotensão ortostática.
  • Dor regional: enxaqueca, dispepsia, síndrome do intestino irritável, dismenorreia, vulvodínia, disúria.

Gatilhos descritos

Infecção (EBV, Parvovírus, Lyme,  hepatite C, HIV ou Borrelia burgdorferi), traumas (abusos), associação com outras desordens de dor crônica (OA, AR, LES).

Associação com doenças

  • Psiquiátricas: neurotransmissores compartilhados com os que afetam a transmissão da dor
  • Cardiovasculares: fator de risco para DAC
  • Gastrointestinal: síndrome do intestino irritável (80% de SFM)
  • Neurológicos: prevalente em pacientes com esclerose múltipla e cefaleia tensional.
  • Endócrina: alta associação com hashimoto

Diagnóstico

Apesar de nossa maior compreensão da condição, não há testes diagnósticos objetivos.

A dor deve estar presente por pelo menos 3 meses.

A avaliação do paciente deve ser como um todo, e não ver apenas os sintomas e sinais, mas também os fatores precipitantes.

Critérios diagnósticos ACR

Critério de 1990 foi baseado na dor generalizada no corpo (definida como a dor que afeta ambos os lados do corpo acima e abaixo da cintura) por pelo menos três meses mais sensibilidade em pelo menos 11 dos 18 pontos sensíveis.

Em 2010, esses critérios foram atualizados para mudar o foco para um índice subjetivo de dor corporal generalizada (WPI) e escala de gravidade dos sintomas (SS), levando em consideração sintomas cognitivos, sono, fadiga e sintomas somáticos adicionais e removendo os tender points, embora os critérios voltassem a considerar os sintomas associados como importantes, talvez houvesse pouca ênfase no sintoma central da dor crônica.

As revisões de 2016 dos critérios diagnósticos ACR 2010/2011 destacaram o conceito de ‘dor generalizada’, que também está no centro dos critérios diagnósticos ACTTION-APS Pain Taxonomy publicados em 2018.

Existem diversos critérios diagnósticos, talvez o mais pertinente seja o ACR 2016 no qual se avalia 5 regiões do corpo (superior direita, superior esquerda, inferior direita, inferior esquerda e axial – com 19 pontos avaliados), gravidade dos sintomas de 0 a 3 para fadiga, concentração, sono não reparador. Sendo necessário o paciente ter a dor em pelo menos 4 das regiões do corpo.

O diagnóstico da SFM não é de exclusão, pois pode coexistir com outras patologias (artrite reumatoide, osteoartrites, tendinopatias, entre outras).

A depender da clínica do paciente alguns exames podem ajudar a avaliar a presença de outras patologias, entre eles podemos citar: hemograma, VHS e proteína C reativa, testes de função hepática, CPK, TSH, glicemia e urina 1.

Tratamentos

Deve ser abrangente, com intervenções integradas e multidisciplinares.

Os pilares são: educação do paciente, condicionamento físico, farmacológico e psicoterapia.

Não Medicamentoso

  • Educação do paciente: legitimar o sofrimento, orientar que não é uma patológica progressiva e que ele tem papel fundamental no tratamento.
  • Realizar higiene do sono (evite dormir durante o dia, não realizar alimentação copiosa no jantar, evitar o uso de telas anoite, ir para a cama quando estiver com sono, evitar atividade física intensa anoite, praticar exercícios de relaxamento, criar um ambiente tranquilo e aconchegante, manter uma rotina de sono).
  • Exercícios: aeróbicos (20 min 3x na semana) e fortalecimento (EULAR com recomendação forte a favor).
  • Perda de peso se necessário.
  • Psicoterapia: ajudar os pacientes a identificar pensamentos desadaptados, desenvolver estratégias e comportamentos de enfrentamento (EULAR com recomendação fraca a favor).
  • Outras terapias: banhos termais (hidroterapia – EULAR fraco a favor), tai chi, ioga, mindfulness – princípio da aceitação- (EULAR fraco a favor), hipnose (EULAR contra), acupuntura (EULAR fraco a favor).

Medicamentoso

EULAR sugere iniciar primeiro educação e tratamento não farmacológico ao paciente, nos casos ineficazes realizar tratamento medicamentoso, porém outros autores sugerem iniciar o tratamento conjunto inicial, visto que muitas vezes o tratamento é retardado pela demora do diagnóstico.

Antidepressivos:

  • Amitriptilina (NNT 4 para atingir redução de 30% da dor), efeito moderado no sono e leve na fadiga. Dose de 25mg/dia sem efeito adicional com dose maior.
  • Duloxetina (NNT 8), superior ao placebo para dor, porém sem efeito incremental nos outros sintomas. Aprovado pelo FDA. Dose de 60mg/dia (sem efeito adicional com mais de 120mg/dia) (EULAR fraco a favor)
  • Inibidor seletivo de recaptação de serotonina (EULAR fraco contra)

Anticonvulsivantes:

  • Gabapentina benefício incerto (EULAR apenas pesquisa).
  • Pregabalina aprovado pelo FDA, (EULAR fraco a favor), dose de 150 a 450mg (estudos positivos com doses de 300 a 450mg/dia).

Relaxantes musculares:

  • Ciclobenzaprina: melhora do sono (EULAR fraco a favor)

Analgésicos

  • Opiódes: tramal (agonista fraco dos receptores U-opióides e como inibidor da recaptação de serotonina-noradrenalina) mostrou alguma eficácia, isolado ou em uso com paracetamol.

Antiinflamatórios (não recomendado EULAR)

Hipnóticas

  • Benzodiazepíniciso e zolpidem podem ser usados em curto prazo para melhora do sono, mas tendem a não ser eficazes para a dor.
  • Quetiapina: qualidade de evidencia baixa dos estudos, mostrou algum benefício na dor, sono, depressão e ansiedade.

Terapia combinada: não existe consenso na literatura, opinião de especialista seria iniciar com um antidepressivo e em casos de resposta insuficiente associar um anticonvulsivante.

G J Macfarlane et al. Ann Rheum Dis 2017;76:318-328

O que não dizer ao seu paciente

  • “Não há razão para sua dor.”
  • “Não há nada de errado com você.”
  • “Está tudo na sua cabeça.”
  • “É tudo psicológico.”
  • “Não há nada que possamos fazer.”

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Referências

1)Kia, S.; Choy, E. Update on Treatment Guideline in Fibromyalgia Syndrome with Focus on Pharmacology. Biomedicines 20175, 20. https://doi.org/10.3390/biomedicines5020020

2)Sarzi-Puttini, P., Giorgi, V., Marotto, D. et al. Fibromyalgia: an update on clinical characteristics, aetiopathogenesis and treatment. Nat Rev Rheumatol 16, 645–660 (2020). https://doi.org/10.1038/s41584-020-00506-w

3)Macfarlane GJ, Kronisch C, Dean LE, et al EULAR revised recommendations for the management of fibromyalgia.Annals of the Rheumatic Diseases 2017;76:318-328.

4) Pereira AM, Valim V, Zandonade E, Ciconelli R. Prevalence of musculoskeletal manifestation in the adult Brazilian population: a study using COPCORD questionnaires. Clin Exp Rheumatol. 2009;27:42-6.

5) Royal College of Physicians. The diagnosis of fibromyalgia syndrome. UK clinical guidelines. London: RCP, 2022.

Revisão Médica

Dr. Diego Nunes | Reumatologista 

CRM 192102 – SP

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