Lúpus

Tratamento das manifestações raras do Lúpus Eritematoso Sistêmico

Embora existam diversas diretrizes internacionais para o manejo terapêutico do lúpus eritematoso sistêmico (LES), seu foco está principalmente no envolvimento de órgãos importantes e nas manifestações mais comuns da doença.  

As manifestações raras do LES representam desafios terapêuticos, pois essas manifestações normalmente não são relatadas em ensaios clínicos.  

Por isso, para ajudar na prática clínica, foi realizado uma força tarefa entre os membros da European Reference Network on Rare and Complex Connective Tissue and Musculoskeletal Diseases (ERN ReCONNET), the Systemic Lupus International Collaborating Clinics (SLICC) group e European Lupus Society (SLEuro). 

Foram reunidos 119 participantes membros das comissões, selecionado as manifestações raras relacionadas ao LES e após o melhor esquema de tratamento para cada manifestação. Foi possível distinguir entre a apresentação grave e não grave de cada manifestação. 

Devido a ausência de dados científicos robustos referentes a essas manifestações, muitas das recomendações são baseadas em opiniões desses especialistas e na experiência clínica. 

Outras estratégias alternativas de tratamento podem existir e o julgamento clínico deve sempre ser aplicado na seleção dessas estratégias, considerando que essas manifestações frequentemente não ocorrem isoladamente. 

Tratamentos 

  • Considerações 

– Corticoide 

Sobre o pulso de metilprednisolona, para manifestações não graves cerca de 80% não usa essa modalidade, já para manifestações graves todos utilizam o pulso. 

Sobre a dose, 50% dos participantes usam dose de 500mg por dia durante 3 dias, 26% dos participantes usam dose de 1000mg por dia durante 3 dias. 

A descrição recente de maiores taxas de remissão e efeitos poupadores de glicocorticoides orais com o uso de pulsos de metilprednisolona também em pacientes com atividade lúpica moderada pode aumentar seu uso para sintomas mais leves de LES no futuro próximo. 

Sobre o uso de corticoide oral na sequência, sugerem uma redução gradual ao longo de 6 meses. 

– Hidroxicloroquina 

A hidroxicloroquina foi proposta como terapia de base em combinação com terapia com glicocorticoides e imunossupressores. 

– Ciclofosfamida 

Sugerem realizar, quando indicado esse medicamento, protocolo EuroLupus (uma dose fixa de 500 mg de ciclofosfamida administrada a cada 2 semanas para um total de seis doses). 

  • Anemia aplásica 

Grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona, ​​seguida de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) mais rituximabe (e, opcionalmente, micofenolato de mofetila). 

Não grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona, ​​seguida de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) mais micofenolato de mofetila. 

Casos graves: presença de citopenia grave, complicações de citopenia (sangramento, infecções, angina), dependência de transfusões e necessidade de hospitalização 

  • Síndrome de ativação macrofágica 

Hidroxicloroquina e metilprednisolona, ​​seguida de glicocorticoides orais (0,5-1 mg/kg/dia) e anakinra mais ciclosporina ou tacrolimus.  

Micofenolato de mofetila pode ser uma opção, junto com corticoide, para casos não graves. 

Casos graves: geralmente é sempre grave; presença de sintomas (como febre, instabilidade hemodinâmica); alterações laboratoriais (anemia, plaquetopenia, elevação de enzimas hepáticas); disfunção orgânica 

  • Microangiopatia trombótica 

Combinação de plasmaférese e hidroxicloroquina mais infusões (opcional) de metilprednisolona, ​​seguidas de glicocorticoides orais (1 mg/kg).  

Em seguida, a associação de rituximabe (com ou sem micofenolato mofetil) mais caplacizumabe em caso de apresentação semelhante à púrpura trombocitopênica trombótica (PTT).  

Alternativamente, rituximabe (ou ciclofosfamida intravenosa ou micofenolato mofetil) e eculizumabe podem ser usados ​​em casos de síndrome hemolítico-urêmica (SHU) atípica ou microangiopatia trombótica mediada por complemento. 

Casos graves: geralmente é sempre grave, principalmente se associada com disfunção orgânica. 

  • Gastrointestinais 

Enteríte e pancreatite grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona seguidas de glicocorticoides orais (0,25–0,5 mg/kg/dia) mais ciclofosfamida intravenosa, depois micofenolato de mofetil (ou azatioprina no caso de pancreatite) para manutenção. 

Para casos não graves: hidroxicloroquina mais glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg) mais micofenolato de mofetil 2–3 g/dia. 

Gravidade na pacreatite: sintomas severos; disfunção de outros órgãos; hipotensão; acometimento extenso na tomografia; necrose pancreática; necessidade prolongada de nutrição parenteral; score de Ranson alto; necessidade de hospitalização. 

Gravidade enteríte: perfuração ou isquemia trato gastrointestinal; hemorragia; edema generalizada, perda de peso, dificuldade para se alimentar; sepse por translocação bacteriana; extensa alteração na imagem; necessidade de hospitalização; hipoalbuminemia grave. 

  • Pulmona

– Pneumonite lúpica e síndrome do pulmão encolhido  

Grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona (opcional para pulmão encolhido), seguida de glicocorticoides orais (1 mg/kg/dia) mais ciclofosfamida intravenosa e, em seguida, manutenção com micofenolato de mofetila (ou azatioprina). 

Casos não graves: hidroxicloroquina e metilprednisolona (na pneumonite lúpica) ou glicocorticoides orais (0,5 mg/kg/dia) seguido de redução gradual mais micofenolato de mofetila (ou azatioprina). 

Casos graves síndrome do pulmão encolhido: insuficiência respiratória; necessidade de oxigênio; impacto nas funções diárias do paciente; CVF menor que 50-70%; rápido declínio da função pulmonar. 

Casos graves pneumonite lúpica: hipoxemia (po2 <60mmhg); insuficiência respiratória; ventilação mecânica; extensão maior que 20% do parênquima pulmonar; rápida progressão; necessidade de hospitalização. 

– Doença pulmonar intersticial  

Grave ou não grave : hidroxicloroquina e metilprednisolona (opcional), seguidas de glicocorticoides orais (0,5–1,0 mg/kg/dia) mais micofenolato de mofetila. 

Casos graves pneumopatia intersticial: rápida progressão da pneumopatia intersticial; extensão maior que 20% do parênquima pulmonar; CVF <50-70%; difusão de monóxido de carbono menor que 70% ou declínio >10% em 6 meses; hipoxemia severa; necessidade de hospitalização. 

– Hipertensão pulmonar  

Grave ou não grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona (opcional), seguida de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia), além de micofenolato de mofetila e medicamentos específicos para hipertensão arterial pulmonar, conforme indicado. 

Casos grave hipertensão pulmonar: sintomas clínicos; rapida progressão; hipertensão pulmonar marcadamente elevada. 

  • Cardíaco

– Endocardite de Libman-Sacks 

Grave: combinação de hidroxicloroquina mais glicocorticoides orais (40-60 mg/dia) com micofenolato de mofetila e anticoagulação (varfarina).  

Não grave: hidroxicloroquina associada a aspirina ou anticoagulação. 

Em muitos casos, a endocardite de Libman-Sacks é atribuída à presença de anticorpos antifosfolipídeos e, na ausência de características ativas de LES, a principal estratégia selecionada para endocardite não grave pode ser preferível. 

Em casos de espessamento valvar sem nódulos ou vegetação a aspira é uma opção no lugar do anticoagulante. 

Casos graves: disfunção valvar severa; insuficiência cardíaca; evidência de doença embólica; presença de vegetação; necessidade de hospitalização. 

– Miocardite lúpica 

Grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona, ​​seguida de glicocorticoides orais (1 mg/kg) mais ciclofosfamida intravenosa e, em seguida, manutenção com micofenolato de mofetila.  

Não grave: hidroxicloroquina com glicocorticoides orais (0,5 mg/kg) mais micofenolato de mofetila. 

Casos graves: alteração ecocardiográfica; insuficiência cardíaca; arritmia; alteração difusa pela ressonância cardíaca. 

  • Cutâneo

– Paniculite lúpica 

Graves: hidroxicloroquina e metilprednisolona (opcional), seguidas de glicocorticoides orais (0,25–0,5 mg/kg/dia) e anifrolumabe (e opcionalmente metotrexato ou micofenolato mofetil ou azatioprina). 

Não graves: hidroxicloroquina, glicocorticoides orais (0,25–0,5 mg/kg/dia) e metotrexato. 

Casos graves: ulceração ou necrose; número alto de lesões; extensão >9% superfície corporal; dor intensa; sintomas intensos; acometimento facial ou risco de deixar cicatrizes; refratário a primeira linha de tratamento; necessidade de hospitalização 

– Vasculite cutânea 

Grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona (opcional), seguidas de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) e micofenolato mofetil. 

Não grave: hidroxicloroquina e infusões (opcionais) de metilprednisolona, ​​seguidas de glicocorticoides orais (0,25–0,5 mg/kg/dia). 

Casos graves: dor intensa ou necrose; envolvimento extenso (>9-18% superfície corporal); isquemia digital; refratário a um primeiro tratamento; necessidade de hospitalização; dificuldade de caminhar; lesões desfigurantes.  

  • Vasculite sistêmica / Vasculite Sistema Nervoso Central 

Grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona seguidas de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) e ciclofosfamida intravenosa 

Não grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona seguidas de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) e micofenolato de mofetil (ou azatioprina). 

Casos graves de vasculite: ameaçadora a vida; mononeurite múltipla; necessidade de hospitalização; acometimento do sistema nervoso central (principalmente se sintomas como coma, crise convulsiva, déficit neurológico, catatonia, piora rápida dos sintomas ou das lesões na ressonância magnética). 

  • Vasculite retiniana 

Grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona, ​​seguida de glicocorticoides orais (0,5-1 mg/kg/dia) e ciclofosfamida intravenosa, seguida de micofenolato de mofetila para manutenção. 

Não grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona, ​​seguida de glicocorticoides orais (0,5-1 mg/kg/dia) e micofenolato de mofetila. 

Casos graves: redução da acuidade visual; envolvimento bilateral; severidade das lesões (necrose, hemorragia, descolamento de retina). 

  • Sistema nervoso central 

– Síndrome cerebral orgânica 

Grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona seguida de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) e ciclofosfamida intravenosa, depois manutenção com micofenolato de mofetil. 

Não grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona, ​​seguida de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) e micofenolato de mofetila (ou azatioprina). 

Casos graves: usualmente é grave, particularmente se sintomas como: alteração da consciência, déficits neurológicos focais, necessidade de hospitalização. 

– Psicose lúpica 

Grave:  hidroxicloroquina e metilprednisolona (opcional), seguida de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) e ciclofosfamida intravenosa 

Não grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona (opcional), seguida de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg). 

Medicamentos antipsicóticos, conforme prescrito pelo psiquiatra, também é indicada. 

Casos graves: se ameaça a segurança do paciente, requer hospitalização, catatonia, associação com síndrome cerebral orgânica, delírio severo. 

– Meningite asséptica  

Grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona, seguida de glicocorticoides orais (0,25–1 mg/kg/dia) e ciclofosfamida intravenosa, depois manutenção com micofenolato de mofetil ou azatioprina. 

Não grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona, ​​seguida de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) e micofenolato de mofetila (ou azatioprina). 

Casos graves: sintomas severos, encefalite, resposta pobre ao tratamento, alterações extensas em exame de imagem, deterioração do estado geral. 

– Mielite 

Hidroxicloroquina e metilprednisolona seguidas de glicocorticoides orais (0,5-1 mg/kg/dia) e rituximabe mais micofenolato de mofetila, 

Outra possibilidade é a combinação de infusões de hidroxicloroquina e metilprednisolona seguidas de glicocorticoides orais (0,5-1 mg/kg/dia) e ciclofosfamida (regime do NIH). 

Casos graves: geralmente é sempre grave, principalmente se sintomas motores, sem resposta inicial ao corticoide, disfunções intestinais ou urinárias,  

– Convulsão 

Grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona (opcional), seguidas de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) e ciclofosfamida intravenosa, seguida de manutenção com micofenolato de mofetil (ou azatioprina) . Associar medicamentos anticonvulsivantes. 

Não grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona (opcional), seguidas de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) mais micofenolato de mofetil (ou azatioprina). 

Casos graves: refratário ao tratamento, estado de mal, necessita de hospitalização, evidência de injuria cerebral. 

  • Sistema nervoso periférico 

– Neuropatia desmielinizante 

Hidroxicloroquina e metilprednisolona seguidas de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) e imunoglobulina intravenosa mensal (por 6 meses) com espaçamento progressivo subsequente da infusão até a descontinuação. 

– Polineuropatia lúpica 

Grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona seguidas de glicocorticoides orais (1 mg/kg/dia) e rituximabe 

Não grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona seguidas de glicocorticoides orais (1 mg/kg/dia). 

Casos graves: déficit motor/sensorial grave 

– Mononeurite múltipla 

Grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona seguidas de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) e ciclofosfamida intravenosa, depois manutenção com micofenolato de mofetil. 

Não grave: hidroxicloroquina e metilprednisolona seguidas de glicocorticoides orais (0,5–1 mg/kg/dia) e micofenolato de mofetil. 

Casos graves: geralmente é sempre grave, principalmente se presença de déficit motor intenso. 

Referência 

  1. ERN ReCONNET–SLICC–SLEuro expert consensus on the therapeutic management of rare systemic lupus erythematosus manifestations. Arnaud, LaurentAlessandri, Cristiano et al. The Lancet Rheumatology, Volume 0, Issue 0 

 

Revisão Médica

Dr. Diego Nunes | Reumatologista 

CRM 192102 – SP

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