agonistas GLP-1

Agonistas GLP-1 na reumatologia: efeitos e evidências

Introdução

Os agonistas GLP-1 têm despertado crescente interesse na reumatologia por seus efeitos metabólicos e anti-inflamatórios.

Mundialmente um em cada seis adultos vive com obesidade. O excesso de tecido adiposo é pró-inflamatório e relevante nas artrites.

Na artrite reumatoide(AR) e na artrite psoriática(APs) a obesidade está associada ao aumento da atividade da doença, pior resposta dos DMARDs biológicos e uma chance 40–50% menor de atingir a remissão ou baixa atividade de doença.

Na espondiloartrite axial(EspA), revisões sistemáticas revelaram que o peso mais alto está associado tanto à maior atividade da doença quanto à progressão radiográfica.

Pessoas com osteoartrite(OA) e obesidade também apresentam níveis mais altos de dor do que aquelas sem obesidade. O excesso e a disfunção do tecido adiposo amplificam a dor relacionada à OA por meio de vários mecanismos que vão além do aumento da carga mecânica (por exemplo, aumento da produção de adipocinas e/ou citocinas pró-inflamatórias, levando ao aumento da dor nociceptiva e da sensibilização periférica e central).

Existe uma relação causal entre o IMC elevado e o desenvolvimento de OA e gota (um aumento no IMC em um desvio padrão leva a aumentos de 1,5 vezes e 1,7 vezes na incidência de OA e gota, respectivamente).

A obesidade aumenta significativamente o risco cardiovascular. Cada aumento de cinco unidades no IMC acima de 25 kg/m 2 está associado a um aumento de 40% na mortalidade cardiovascular na população em geral. Sendo a causa cardiovascular a principal causa de morte em pacientes com condições reumatológicas.

A via dos agonistas GLP-1 e sua ativação

O GLP-1 é produzido pelas células L (células enteroendócrinas localizadas predominantemente no íleo e no cólon) e secretado em baixos níveis em jejum.

Após uma refeição, a secreção de GLP-1 e GIP aumenta, facilitando a secreção de insulina dependente de glicose pelo pâncreas, o que reduz os níveis de açúcar no sangue.

Os agonistas GLP-1 facilitam a perda de peso aumentando a saciedade e reduzindo o apetite por meio da estimulação da via anorexígena POMC–CART, inibição da via orexígena NPY–AgRP e desaceleração do esvaziamento gástrico e da motilidade do intestino delgado.

Além da perda de peso os agonistas GLP-1 mostraram redução de 16% no risco de insuficiência renal, uma redução de 14% no risco de eventos cardiovasculares adversos maiores(MACE) e uma redução de 13% no risco de mortalidade por todas as causas em comparação com placebo. Os efeitos benéficos dos agonistas de GLP-1 na esteato-hepatite associada à disfunção metabólica também foram observados.

Agonista GLP-1 sintéticos têm efeitos anti-inflamatórios em humanos, suprimindo citocinas pró-inflamatórias importantes, como IL-6, TNF e IL-1β. Além disso atua inibindo a via NF-κB (via comum na OA, AR e psoríase).

Osteoartrite (OA)

Os condrócitos humanos expressam o receptor GLP-1.

A ativação deste receptor demonstrou ser condroprotetora na OA.

Pessoas com OA têm níveis séricos de GLP-1 mais baixos, e a injeção intra-articular de liraglutida alivia a dor e atenua a degradação da cartilagem em modelos murinos de OA.

Os análogos GLP-1 reduzem a degradação do colágeno tipo II relacionada a MMP3 e MMP13 e a degradação do agrecano relacionada a ADAMTS4 e ADAMTS5, dois componentes fundamentais da cartilagem articular.

Novas descobertas relacionadas a um eixo intestino-articular que explicam a conexão entre a microbiota intestinal, GLP-1 e progressão da OA ilustram um papel potencial modificador da doença do GLP-1 nativo e dos agonistas de GLP-1 na OA.

Estudo STEP 9(407 adultos com obesidade + OA de joelho) avaliou a eficácia da semaglutida versus placebo como um complemento à atividade física regular e aconselhamento dietético ao longo de 68 semanas. Grupo semaglutida perdeu 13,7% do peso corporal, melhora no score de dor WOMAC em 42 pontos além de função física e qualidade de vida. Já no grupo placebo perda de peso 3,2% do peso corporal, melhora no WOMAC 28 pontos. Diferença significativa entre os grupos.

Dados observacionais também com resultados semelhantes. Na Coorte de Osteoartrite de Xangai, o risco de se submeter a uma cirurgia no joelho para OA foi significativamente menor com exposição ao agonista GLP-1do que sem.

Dados em andamento para tirzepatida em pacientes com OA de joelho.

Pacientes com OA e obesidade, os agonistas GLP-1 podem melhorar a saúde cardiometabólica diretamente, por meio de efeitos de classe cardioprotetores, e indiretamente, aumentando a capacidade de atividade física.

Gota

O risco de gota foi relatado como sendo 20–40% menor com a exposição ao inibidor de SGLT2 do que com a exposição ao agonista GLP-1.

Considerando todas as evidências disponíveis, os inibidores de SGLT2 provavelmente reduzem o risco de desenvolver gota quando comparados aos agonistas GLP-1, e os agonistas GLP-1 provavelmente não reduzem esse risco em relação ao placebo.

Análises post-hoc de quatro ensaios clínicos controlados não encontraram alterações clinicamente relevantes nas concentrações séricas de urato após a exposição ao agonista GLP-1, nem imediatamente nem após várias semanas de terapia.

Pacientes com gota tem prevalência 21% maior de obesidade, 18% maior de DM2,12% maior de infarto do miocárdio em comparação com pessoas sem gota. Embora as evidências disponíveis não sugiram um papel para os GLP-1RAs na prevenção primária ou secundária de crises de gota, eles têm um papel no gerenciamento dessas condições cardiometabólicas.

Artrite Reumatoide / Psoríase

A associação entre a exposição ao agonista GLP-1 e o risco de AR foi explorada em um estudo de coorte retrospectivo. Coortes de adultos com DM2(n = 854.197) ou obesidade(n = 230.782), tratados com agonista GLP-1, foram pareados 1:1 para indivíduos sem tratamento. Após 5 anos de acompanhamento, um menor risco de AR incidente foi observado com exposição ao agonista GLP-1 em indivíduos com obesidade sem DM2(devem ser avaliados com cuidados devido potenciais fatores de confusão).

Vários experimentos de ciência básica usando modelos de AR ou psoríase demonstraram propriedades anti-inflamatórias(por exemplo, reduções significativas na expressão de TNF, IL-6, IL-17 e IL-23) com o tratamento com agonista GLP-1, mas as implicações clínicas desses efeitos ainda não foram totalmente elucidadas.

Alguns estudos de relato de caso e coorte de pacientes com artrite reumatoide, mostraram redução de atividade da doença com uso concomitante de agonistas de GLP-1.

Para psoríase, pequenos ensaios clínicos e alguns relatos de caso também mostram melhoras no PASI e DLQI com uso dos agonistas de GLP-1.

No geral, embora promissora, a escassez de dados destaca a necessidade de mais pesquisas para determinar se os agonistas GLP-1 podem melhorar a atividade da doença(dados em andamento do ixequizumabe + tirzepatida na doença psoríasica).

Indivíduos imunocomprometidos não foram descritos ou foram excluídos de ECRs que demonstram a eficácia dos agonistas GLP-1 para reduzir o risco de mortalidade por todas as causas e MACE em adultos com DM2 ou obesidade. Uma coorte que avaliou paciente com doenças imunomediadas e diabetes encontrou que o riscos de mortalidade por todas as causas e MACE foram 52% e 34% menores com agonista de GLP-1 quando comparado ao uso de inibidor de DPP4 (um outro medicamento para diabetes).

Uso na prática dos agonistas GLP-1

As contraindicações dos agonistas GLP-1 incluem histórico pessoal ou familiar de carcinoma medular da tireoide ou neoplasia endócrina múltipla tipo 2. Dados limitados de uso na gestação.

Efeitos adversos mais comumente relatados dos GLP-1RAs são gastrointestinais (náuseas, vômitos, diarreia e constipação), a maioria dos quais são leves a moderados, ocorrem com o início do medicamento e o aumento da dose e melhoram ao longo das semanas.

Os agentes devem ser iniciados em doses baixas e titulados lentamente (por exemplo, a cada 4 semanas para semaglutida e tirzepatida).

Doenças relacionadas à vesícula biliar também foram observadas com maior frequência em pacientes tratados com agonistas GLP-1 atribuíveis a efeitos diretos(ou seja, esvaziamento da vesícula biliar agudamente atenuado) e efeitos potencialmente indiretos mediados pela rápida perda de peso.

Devido ao esvaziamento gástrico retardado, preocupações quanto à aspiração de conteúdo gástrico residual, apesar do jejum pré-operatório, foram levantadas; no entanto, os dados existentes não apoiam a visão de que o aumento do conteúdo gástrico residual do uso de GLP-1 aumenta as taxas de aspiração ou complicações relacionadas à aspiração.

Enquanto as intervenções para perda de peso visam reduzir o tecido adiposo, a perda de massa magra (incluindo músculo) é comum, assim como o aumento da renovação óssea e a diminuição da densidade mineral óssea(DMO). Dados observacionais e de ECR, no entanto, sugerem que a terapia com GLP-1RA não aumenta o risco de fraturas por fragilidade, podendo até prevenir em pacientes com DM2. Importante manter uma vida ativa de exercício para reduzir a perda de massa muscular e DMO.

Após 1 ano, os participantes que pararam com agonista GLP-1RAs recuperaram aproximadamente metade a dois terços do peso que perderam inicialmente. As opções incluem reduzir gradualmente a dose ou um esquema de administração menos frequente, mudar para medicamentos genéricos mais baratos com propriedades de perda de peso (por exemplo, metformina, topiramato ou bupropiona) e prescrever exercícios regulares moderados a vigorosos (supervisionados).

Sobre o Dr. Diego Nunes

Sou reumatologista com foco em doenças autoimunes e inflamatórias. Acredito que o conhecimento científico deve orientar decisões clínicas com segurança e empatia. Se você é profissional da saúde e deseja discutir estratégias terapêuticas ou atualizações em reumatologia, acompanhe o blog e entre em contato.

Referência

  1. Karacabeyli, D., Lacaille, D. Glucagon-like peptide-1 receptor agonists in arthritis: current insights and future directions. Nat Rev Rheumatol 21, 671–683(2025).

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Dr. Diego Nunes | Reumatologista 

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