Introdução
A arterite de células gigantes (ACG), também conhecida com arterite temporal, é uma vasculite granulomatosa de grandes e médios vasos.
Acomete pacientes idosos levando à oclusão principalmente dos vasos sanguíneos cranianos, podendo resultar em cegueira e acidente vascular cerebral. Sendo considerado uma emergência médica que requer tratamento imediato, necessitando de encaminhamento para um centro com expertise nesse tipo de doença (idealmente dentro de 24 horas).
A inflamação dos vasos pode acometer também aorta e seus ramos proximais (envolvimento extracraniano de grandes vasos) e como complicações causar aneurisma, dissecção ou ruptura da aorta.
Os pacientes com suspeita de ACG devem ser avaliados por um médico com experiência apropriada, geralmente um reumatologista e uma equipe oftalmológica para excluir outras causas de distúrbio visual súbito.
Definições
Doença ativa: sinais e/ou sintomas clínicos novos, persistentes ou agravados atribuídos a arterite de células gigantes e não relacionados a danos anteriores.
Doença grave: vasculite com manifestações que ameaçam a vida ou órgãos (por exemplo, perda de visão, isquemia cerebrovascular).
Doença não grave: vasculite sem manifestações que ameacem a vida ou órgãos (por exemplo, sintomas constitucionais, cefaleia, claudicação da mandíbula, sintomas de polimialgia reumática).
Remissão: ausência de sinais ou sintomas clínicos atribuídos a arterite ativa, com ou sem terapia imunossupressora.
Manifestação clínica da arterite de células gigantes
Cefaleia
Sensibilidade no couro cabeludo/hiperestesia claudicação da mandíbula ou da língua.
Sensibilidade da artéria temporal, nodularidade ou pulsação reduzida
Manifestações visuais incluindo diplopia ou amaurose. Geralmente com perda aguda da visão unilateral (irreversível) e se não tradatada podendo progredir para bilateral. O acometimento na maioria das vezes se dá secundária à neuropatia óptica isquêmica anterior arterítica (acometendo as artérias ciliares posteriores). Embora NOIAA seja a manifestação mais comum, a ACG pode afetar todo o caminho visual desde a retina até o lobo occipital. A isquemia retiniana pode resultar do envolvimento coexistente (ou isolado) da artéria central da retina. Causas menos comuns de perda visual isquêmica incluem neuropatia óptica isquêmica posterior, oclusão da artéria ciliorretiniana, infarto coróide e raramente isquemia do quiasma óptico ou via visual pós-quiasmática.
Claudicação do membro
Polimialgia reumática (dor e rigidez das cinturas escapular e quadril)
Sintomas constitucionais (febres, sudorese ou perda de peso).
Menos comum, os pacientes podem ter carotidínia, sintomas audiovestibulares, tosse, isquemia da língua ou do couro cabeludo.
Laboratorial
Elevação de provas inflamatórias como velocidade de hemossedimentação (VHS) ou proteína C reativa (PCR).
VHS e PCR são tipicamente elevados na ACG, e é muito raro (<3%) que ambos sejam normais.
Dosagem de glicemia, cálcio, vitamina D, função renal, hepática, densitometria óssea são importantes para o seguimento dos pacientes pelos efeitos colaterais dos medicamentos usados.
Diagnóstico da arteride de células gigantes
O diagnóstico é baseado na apresentação clínica, anormalidades patológicas na biópsia da artéria temporal e/ou evidência de envolvimento de grandes vasos na imagem vascular.
Pacientes com suspeita de ACG devem fazer um teste diagnóstico confirmatório. Isso pode ser uma biópsia da artéria temporal com pelo menos 1 cm de comprimento ou uma ultrassonografia das artérias temporal e axilar, ou ambas.
Nas recomendações do American College of Rheumatology (ACR) orientam realizar uma biópsia unilateral em até 2 semanas (o mais rápido possível) de iniciado os sintomas, de pelo menos 1 cm, unilateral, ao invés do exame de imagem. Nos casos de sintomas sugestivos com biópsia negativa, prosseguir investigação com exame de imagem.
A biópsia da artéria temporal positiva mostra características de inflamação, como células gigantes ou pan-arterite.
A imagem das artérias temporais por ultrassonografia ou ressonância magnética identifica apenas 77% e 73% dos casos, respectivamente.
Se nem a ultrassonografia vascular ou a biópsia forem possíveis, a ressonância magnética das artérias cranianas pode ser usada.
Para uma alta probabilidade clínica de ACG, apenas um ultrassom positivo pode ser suficiente (sinal de “halo” não compressível de uma artéria temporal ± axilar). Porém a ultrassonografia depende do operador e os resultados são influenciados pelo tratamento (ou seja, os sinais de inflamação desaparecem rapidamente com o tratamento com glicocorticoides).
Nenhum desses testes deve atrasar a prescrição de terapia com altas doses de glicocorticoides para pacientes com forte suspeita de ACG.
Para avaliação da aorta e ramos proximais pode ser utilizado alguns exames como PET-CT, angio ressonância, angio tomografia do pescoço/tórax/abdômen/pelve, ultrassonografia da artéria axilar. Recomendado essa investigação nos pacientes com diagnóstico de ACG.
Uma vez que o envolvimento da aorta e seus ramos proximais na arterite de células gigantes pode ser assintomático ou associado apenas a sintomas constitucionais, essa avaliação pode ser útil para detectar inflamação, estenose ou dilatação.
Nos critérios classificatórios da doença do ACR de 1990 concentram-se principalmente nas características cranianas da ACG e não têm bom desempenho na classificação de pacientes com doenças que afetam predominantemente as artérias maiores. Sendo atualizado os critérios em 2022 no qual usa pontuações (necessário um corte de ≥6 na pontuação total de risco no conjunto de dados) com sensibilidade de 87,0% e especificidade 94,8%.
Esses critérios devem ser aplicados para classificar os pacientes como tendo ACG quando um diagnóstico de vasculite de médio/grande vaso for realizado.
Diagnósticos mimetizadores de vasculite devem ser excluídos.
Para entrar nos critérios diagnósticos o paciente deve ter mais de 50 anos de idade. Critérios clínicos: rigidez matinal de pescoço/ombro, perda visual súbita, claudicação de mandíbula ou língua, nova cefaleia temporal, sensibilidade em couro cabeludo, anormalidade da artéria temporal no exame físico (ausência de pulso, sensibilidade ou aparência de um cordão endurecido).
Critérios laboratoriais: VHS primeira hora ≥ 50mm/hora ou PCR ≥ 10mg/L, biópsia de artéria temporal positiva (sem definição histológica definitiva; achados associados são: presença de células gigantes, infiltração leucócito mononuclear e ruptura da camada elástica interna) ou USG artéria temporal com sinal do halo (espessamento de parede homogêneo e hipoecoico) , envolvimento axilar bilateral (definido como: dano luminal – oclusão, estenose ou aneurisma- avaliado na angiografia, sinal do halo pelo USG ou captação de FDG no PET-CT), PET-CT com atividade na parede da artéria aorta (por toda artéria aorta descendente).
Esses critérios são validados e destinados para fins de classificação de vasculite e não são apropriados para uso para estabelecer um diagnóstico de vasculite. Portanto, os critérios só devem ser aplicados quando o diagnóstico de vasculite de grandes ou médios vasos tiverem sido feito e todos os potenciais “simuladores de vasculite” tiverem sido excluídos.
Tratamento para arterite de células gigantes
Por ser uma urgência reumatológica o tratamento deve ser realizado na suspeita do diagnóstico, principalmente em pacientes com sintomas visuais agudos (não atrasar a terapia aguardando a biópsia).
Na ausência de sintomas oculares isquêmicos o tratamento com glicocorticoide (GC) pode ser feito na dose de 40 a 60mg/dia.
Estudos investigando o efeito de glicocorticoides de pulso IV em pacientes com ACG e isquemia craniana demonstraram resultados conflitantes. No entanto, esta população está em alto risco de perda de visão por isso nesse grupo de pacientes com sintomas oculares isquêmicos recomenda-se realizar pulso com metilprednisolona na dose de 500 mg–1 g intravenosa diariamente por até 3 dias consecutivos antes de iniciar a terapia com GC oral.
A dose de glicocorticoide deve ser reduzida ao longo de 12 a 18 meses, desde que não haja retorno dos sintomas, sinais ou marcadores laboratoriais de inflamação.
Essa redução pode ser realizada com o paciente em remissão de doença por 4 a 8 semanas após início do tratamento. Reduzir 10mg a cada 2 semanas até a dose de 20mg/dia, após reduzir 2,5mg/dia a cada 2-4 semanas até chegar em 10mg/dia e após 1mg mensal de redução.
Nas recomendações EULAR 2018 orienta um aumento do risco de recaída após redução precoce e/ou redução da dose de GC abaixo de 5 mg/dia, recomendando assim uma redução gradual da dose de GC na ACG para uma meta de 15–20 mg/dia dentro de 2–3 meses e depois para ≤5 mg/dia após 1 ano
Uma redução mais rápida da dose pode ser considerada para pacientes com alto risco de toxicidade por GC e em uso de imunossupressor poupador de GC.
O metotrexato é um imunossupressor que pode ser usado em associação ao glicocorticoide para um melhor controle da doença.
Estudo publicado em 2017 demonstrou que o tocilizumabe tem um efeito poupador significativo de glicocorticoides na arterite e, portanto, o tocilizumabe deve ser considerado para tratamento inicial associado ao GC no guideline do arterite . No entanto, metotrexato com glicocorticóides, bem como glicocorticóides sozinhos, também podem ser considerados como tratamento inicial para arterite recém-diagnosticada (decisão deve ser tomada com base na experiência do médico e na condição clínica, valores e preferências do paciente).
No guideline britânico como no do EULAR considera o uso do tocilizumabe principalmente nos pacientes com alto risco de toxicidade por glicocorticoide ou com recidiva, sendo o metotrexato como alternativa a este.
O abatacepte também pode ser considerado se esses outros agentes não forem eficazes.
Caso o paciente apresente recidiva de sintomas durante a redução de GC sem evidência de isquemia retornar para última dose que o paciente estava bem; caso apresente sintomas de isquemia retornar para doses altas (40 a 60mg/dia). Associar nesses casos um agente imunossupressor.
Faltam evidências para o uso de agentes antiplaquetários ou anticoagulantes específicos para arterite de células gigantes. O guideline do ACR sugere iniciar com aspirina nos casos de comprometimento crítico ou limitante do fluxo das artérias vertebrais ou carótidas.
Não recomendado iniciar com estatina apenas pelos sintomas da ACG.
A duração da terapia pode ser influenciada pelas manifestações clínicas do paciente, toxicidade relacionada ao uso de glicocorticoides, número de exacerbações e experiência do médico.
Arthritis & Rheumatology, Volume: 73, Issue: 8, Pages: 1349-1365, First published: 08 July 2021, DOI: (10.1002/art.41774)
Seguimento
A frequência ideal e a duração do monitoramento não estão bem estabelecidas e dependem de fatores como a duração da remissão, local do envolvimento, risco de progressão da doença, se o paciente está recebendo terapia imunossupressora e novos sinais ou sintomas.
Consultas de acompanhamento de rotina podem ser agendadas a cada 1 a 3 meses durante o primeiro ano e em intervalos de 3 a 6 meses depois.
O monitoramento é realizado com anamnese, exame físico, laboratorial (provas inflamatórias) e imagem.
Intervenção Cirúrgica
Para pacientes com sinais de isquemia de membros/órgãos em tratamento é recomendado um aumento da imunossupressão ao invés de intervenção cirúrgica.
Nos pacientes com doença em atividade que forem submeter-se a procedimento vascular é recomendado uma dose alta de GC durante o período periprocedimento.
No entanto, situações clínicas que justificariam a consideração de intervenção cirúrgica imediata incluem aneurismas aórticos com alto risco de ruptura e dano ou infarto iminente/progressivo de tecidos ou órgãos.
Cuidados
Por ser um grupo de paciente idosos é comum a presença de diabetes, hipertensão arterial, osteoporose, problemas gástricos que são potencializados com o uso do GC, além de facilidade para efeitos adversos psiquiátricos.
Referências:
- Sarah L Mackie, et.al; British Society for Rheumatology guideline on diagnosis and treatment of giant cell arteritis: executive summary, Rheumatology, Volume 59, Issue 3, March 2020
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